O que você gritaria para o México?

"Antes Patria que Inermes tus hijas"  é um projeto que procurou dar um espaço de liberdade onde a oportunidade de se expressar sem limites foi a norma. Um espaço que serviu para revelar os pensamentos das mulheres que participaram e que culminou com um grito que fica plasmado em retratos. Uma oportunidade para falar diretamente ao México com exigências, agradecimentos e palavras de ordem.

 

"Antes Patria que Inermes tus hijas"
8 MARÇO 2025

O que as inspirou a criar sua Ação?

Isabel Masvidal destacou “Este projeto nasceu com um sonho que se foi transformando ao longo do tempo. Como mulheres mexicanas, a reflexão sobre o que significam os espaços de expressão num país que continua a silenciar vozes essenciais é um caminho complicado e de constante mudança. O projeto foi uma oportunidade para pensar no nosso próprio privilégio e no lugar que nos pertence numa luta partilhada. Embora este espaço possa ser curto na diversidade e variedade de vozes, é um início para abrir conversas importantes.

O que gritarias ao México? Uma pergunta que permitiu uma variedade de respostas que nos deixaram impressionadas. Desde o agradecimento a um país belo que tanto nos tem dado, até palavras de ordem de luta e pedidos por tudo em que ainda fica aquém. Poder ver os gritos de júbilo e os de exigência plasmados num mural no coração do México faz-nos sentir profundamente orgulhosas e, sobretudo, conscientes de que os esforços coletivos podem ter um impacto na comunidade. Romper com o rotineiro para questionar onde cabem as nossas vozes e as nossas exigências.

Poder fazer parte de um movimento global aproxima-nos de outros países e outras pessoas que talvez não falem o mesmo idioma, mas que têm a mesma intenção de mudar a realidade. Estar perto na distância e reconhecer-nos noutros projetos e noutros seres humanos. Não nos resta mais do que agradecimento e uma profunda reflexão sobre a importância que tem partilhar a partir da coletividade.” 

The Moon Rabbit, a galeria do famoso fotógrafo Santiago Arau. El Conejo da Lua, a galeria do famoso fotógrafo Santiago Arau.

Ana Sofía Ruíz salientou que “No México vive-se um silêncio constante perante as injustiças em todos os contextos. Por isso, queríamos criar um espaço de reflexão onde, no meio do trânsito, se possa escutar o que as mulheres trazem para a mesa de conversa, sejam exigências, agradecimentos e sonhos que transformam a realidade da sociedade em geral. Ao longo da criação desta ação grupal, por ter durado tantos anos, transformámos a mensagem; evoluímos a maneira de fazer barulho e crescemos em conjunto com o projeto. O não ficarmos como sempre, foi o que nos inspirou a fazer algo, mas não criámos unicamente um espaço para gritar e capturar fotos. Se não procurarmos a confiança de cada uma das mulheres que participaram neste espaço e encapsularmos os seus pensamentos, as suas histórias, esperando que algum dia pudessem ser uma declaração.”

O que você pretendia alcançar com seu projeto?

Impactar, mesmo que seja uma pessoa. Capturar olhares desde o trânsito da Cidade do México, onde, sem saber o que significa, ou o que se procurava; cada uma das pessoas que o via causava um sentimento diferente, desde orgulho, raiva, alegria, frustração ou indiferença. Procurávamos entender se a arte podia causar algo diferente em cada uma das pessoas que passavam pelo Mural. Apesar de ser passageiro, queríamos que cativasse na definição que precisasse de ser. Decidimos apropriar-nos de um fragmento do hino nacional para transmitir o verdadeiro significado da palavra “inermes” e transformá-lo na declaração de que as mulheres não estão desprovidas de armas para se defenderem, mas que a nossa voz é a maneira de incomodar e levar a uma mudança. Através de 99 retratos, observados em silêncio, capturámos gritos em branco e preto para que, através das expressões, déssemos cor às reflexões.

40 retratos em um só lugar, colados nos dias 21, 22 e 23 de março de 2025, na esquina da Agustín Melgar com a Circuito Interior José Vasconcelos, Cidade do México.

Quem os ajudou? para executar esta ação? Como eles ajudaram? Quais desafios você enfrentou no processo? Como você os resolveu?

O contexto mexicano é um dos mais tediosos para fazer barulho. Apesar de que ao longo dos anos se tem construído um sentido de protesto, de exigências e de necessidade de uma mudança social e cultural, continuam a existir barreiras estruturais que complicam este processo. No início da nossa ação grupal em 2022, não tínhamos nem ideia do caminho que íamos ter de percorrer para finalmente colar o nosso Mural em 2025, agradecemos infinitamente à Inside Out, pela paciência e o crescimento que tivemos juntos, já que no contexto em que se procurava desenvolver a ação grupal, não bastava uma fachada em propriedade privada para colar os pósteres. Apesar de termos encontrado espaços de visibilidade para este projeto, levava-nos a caminhos sem resposta. Nos últimos três anos, não foi até chegar à pessoa certa, Paige Zarkin, curadora de arte, que entendemos os desafios que enfrentávamos. Desde quotas da polícia, da autarquia, os seguros de saúde que pedem para as pessoas em andaimes e os desafios que significava criar um projeto apartidário e sem marcas, sem dúvida complicava a execução. 

Conversa sobre a visibilidade do projeto e a importância da arte no impacto social com o coletivo de mulheres droneiras no El Conejo de la Luna.

A única vantagem de termos demorado tantos anos foi que a Inside Out Project se transformou numa fundação, uma fundação que acreditou em nós e no impacto que queríamos causar. Graças à Fundação Can Art Change The World, conseguimos ter o orçamento para o tornar realidade. Neste projeto, do início ao fim, tivemos o apoio incondicional deste projeto Internacional através de Damariz, que apesar de estar em Nova Iorque, esteve ao nosso lado para enfrentar as barreiras do México e eventualmente conseguir fazer barulho para a sociedade mexicana, que também é parte do seu lar. Ao ser um tema social e que luta com uma cultura normalizada, um dos nossos grandes medos era que o Mural amanhecesse riscado, no entanto, para evitar qualquer sinal de ódio, o espaço que conseguimos era sumamente transitado, tinha iluminação, uma paragem do autocarro, um banco e inclusive rondas de polícias locais que nos permitiu que durante quatro dias, por 24 horas, pudéssemos causar impacto em qualquer um que o rodeasse sem correr o risco de nos silenciarem.

Existe alguma história em particular que você gostaria de compartilhar?

Um dos momentos mais bonitos que se viveu neste fim de semana de reflexão foi o assombro dos desconhecidos ao projeto e o sentimento que geraram neles. Em particular, no dia em que fomos criar conteúdo ao amanhecer através do drone, aproximou-se de mim um senhor com vontade de expressar o que o Mural gerou nele; sem câmaras, sem áudio, simplesmente do seu coração contou-nos o orgulho que sente pela sua filha, e como o Mural o ajudou a agradecer tudo o que a sua filha tem conseguido pelo seu grande sentido de luta, e que é importante a visibilidade de tudo o que as mulheres podem conseguir fazer e as barreiras que conseguem romper acreditando nelas mesmas. Com essas palavras e ao ser apenas o primeiro dia, dei-me por bem servida e agradecida pelo que este espaço estava a construir. Depois da conversa, consegui ver que o senhor estava a tirar uma foto ao Mural e a publicá-la num post do Facebook, sem dúvida foi um dos momentos mais especiais durante estes quatro dias que o Mural viveu na cidade do México, numa das zonas mais movimentadas e emblemáticas da cidade. 
Isabel Masvidal e eu, Ana Sofía Ruíz, estivemos certas horas no Mural para partilhar a história por detrás dele e um colega, ao ler cada uma das mensagens que escreveram a punho, as mulheres retratadas, não pôde evitar conter a emoção e as lágrimas; para mim, esse foi o segundo momento em que disse, obrigado por não desistir neste projeto e conseguir materializá-lo depois de tanto tempo. A punho, estas 99 mulheres escreveram o seu nome, os seus hobbies e o mais importante que gritariam ao México; que os visitantes pudessem ler, tocar, sentir estas fichas, sem dúvida, causaram um impacto mágico.

Um homem compartilhou a instalação no Facebook e nos contou com orgulho como o mural o inspirou a valorizar a luta e as conquistas de sua filha.

 

Um ponto muito especial neste projeto foi que artistas locais também nos ajudaram na instalação; que se dedicavam ao impacto social através da arte e pudemos entender também a sua perspetiva no dia a dia, assim como os desafios que este tipo de ativismo acarreta. Adoro gabar-me de que todo o conteúdo audiovisual foi criado por mulheres; desde as 99 fotografias, graças a Marijosé Lomeli e Fernanda Gutiérrez, assim como os bastidores de todo este processo que durou anos, graças a Paulina Ruíz e Daniela Gutiérrez, teve-se documentado cada um dos momentos-chave e fundamentais, para entender o que nos levou até ao dia de hoje. De igual maneira, queríamos transmitir que gritávamos desde o centro da Cidade do México e que procuramos disromper até aos céus. Por isso, dei-me à tarefa de encontrar um coletivo incrível de mulheres dronistas que se chama “Mulheres que voam”, onde Maria Paula Martínez nos dedicou um amanhecer para capturar do ar a nossa Ação grupal. Assim, a todas as pessoas que participaram para o tornar possível, infinitos agradecimentos.Com suas próprias palavras, 99 mulheres escreveram seus nomes, seus hobbies e, mais importante, o que gritariam para o México.

Qual foi o impacto da sua ação na comunidade? Como reagiu a gente?

O mais poderoso da arte é que não podem existir indicadores sobre o antes e o depois de cativar o teu olhar, para nós, pelo simples facto de ter cativado olhares, esperando pelo autocarro, gente perdida na cidade, gente stressada no trânsito, gente a comer nos banquinhos, foi simplesmente mágico. Porque o mais poderoso da arte é que cada um; sem seguir alguma regra, cria uma reflexão e, mesmo que fosse só por segundos, reflete uma história diferente para cada pessoa. Um dos impactos que pudemos medir foi a reação das mulheres retratadas, que com dois anos de história a mais, regressaram a este espaço seguro, onde foram escutadas e tiveram nostalgia de quem eram há uns anos atrás.

Muito entusiasmo, muito poder, muito desejo e muita criatividade.