A líder do grupo, Chloe Cohen, compartilha suas reflexões e processo de criação de uma Ação na Rodoviária Central de Tel Aviv e detalha o impacto que ela gerou na comunidade ao reunir indivíduos de todas as origens para criar uma obra de arte.
“ Por serem capazes de combinar imediatismo espacial com anterioridade temporal e, assim, confundir as categorias de tempo e espaço mais comuns, as fotografias também podem moldar futuros." (McKay, 2008, 381)
A primeira vez que ouvi falar de JR eu tinha doze anos, estava no ensino médio nos subúrbios de Paris. Eu estava na aula de artes e nossa professora nos contou sobre o projeto de JR "Mulheres são Heróis’ no Morro da Providência, no Rio de Janeiro. Nessa época, eu tinha acabado de me mudar do Brasil para a França com minha família, então me conectei muito com o projeto e acompanho o trabalho de JR desde então.
Família passando pela instalação do pôster no Central Bus Station, Tel Aviv, Israel, fevereiro de 2023.
A Ação "Rostos da Rodoviária Central" teve como objetivo jogar luz sobre o que acontece dentro e fora da estação - a segunda maior rodoviária do mundo. Planejada em 1994, mas inaugurada oficialmente apenas em 1993, a megaestrutura abrange 230.000 m2 construídos com os principais andares abrigando um extenso centro comercial, enquanto os ônibus estacionam nas ruas circundantes, nos 3o a 4o andares superiores e na cobertura. Logo após sua inauguração na década de 90, o bairro ao redor da estação se tornou o lar de pessoas, cujos meios financeiros são insuficientes para viver em outro lugar, principalmente imigrantes do Sudão, Eritreia, Filipinas, Tailândia, Sri Lanka, Índia, ao lado de muitos moradores de rua e traficantes.
A reação do jovem participante vendo a instalação.
Alguns imigrantes tem trabalhos regulares e autorizações de residência, enquanto outros não tem nenhum direito. A estação central de ônibus pode ser vista como uma representação daquilo que é reprimido na sociedade de Tel-Aviv. Isso significa que aquilo que muitas vezes é marginalizado, indesejado e invisível pela cidade, recebeu um espaço para isso poder ser visto. Durante o início dos anos 2000, os moradores definiram os arredores da estação central de ônibus - os bairros de Hatikvah, Shapira e Neve Sha'anan, como o "lixão" de Tel Aviv. (Margalit & Vertes, 2015, 228).
Voluntários trabalhando juntos para colar retratos.
A estação é para mim um espaço onde tudo e todos parecem estar sempre em movimento. Num labirinto de mundos e pessoas: diferentes rostos, línguas, culturas, vozes e uma infinidade de olhos se encontram. Uma intensidade muitas vezes difícil de olhar, triste de ouvir e ao mesmo tempo bela. Beleza que palavras nunca serão suficientes para descrever e é por isso que fotografamos: "Os Rostos da Rodoviária Central". A estação é um espaço que me transmitiu muita dureza e intensidade, simultaneamente uma sensação indescritível de "casa". Aprendi fotografia ensinando os alunos da organização em que era voluntária. Mais tarde, convidei minha amiga e fotógrafa talentosa Moral Attar para me ajudar com as aulas e à concretizar a visão deste projeto.
Participante posando para seu retrato.
A sessão de fotos consistiu em abordar aleatoriamente as pessoas nas ruas, mas também através do boca à boca com as pessoas que nos viam diariamente. A rua onde as fotos foram coladas é o ponto de encontro dos taxistas. Rapidamente nos tornamos amigos e eles conversavam entre si sobre o projeto, o que nos permitiu encontrar participantes também. Eu ia para a estação duas vezes por dia, ao ir e voltar do trabalho de ônibus, então foi assim que conheci os motoristas. Alguns dias, passava tardes inteiras na oficina de bicicleta de um dos primeiros participantes; centenas de pessoas diferentes do bairro vinham e ele compartilhava o projeto com seus amigos e clientes.
Transeunte observando finalização da instalação na Rodoviária Central, Tel Aviv, fevereiro de 2023.
A instalação nos permitiu reunir todos os bairros de Tel Aviv e indivíduos de origens e ocupações completamente diferentes para criar uma obra de arte. Entramos em contato com os participantes por telefone com antecedência para nos ajudar como lambe-lambe. Alguns colaram conosco, outros vieram depois do trabalho no mesmo dia da instalação e alguns não puderam vir, então viram as fotos após a instalação. Foi gratificante ver tantos rostos trabalhando juntos, tantas cores e mundos diferentes fundidos neste espaço que alguns raramente frequentam e outros chamam de "casa".
Participante observando o tamanho do seu retrato.
Os destaques foram os sorrisos e expressões de surpresa dos participantes ao verem seus rostos daquele tamanho colados na parede. A emoção dos nossos amigos durante a instalação, mas também as vozes de decepção de quem dizia trabalhar nesta estação há anos, que não tivemos o prazer de conhecer durante os dias de fotos. De muitas maneiras, isto nos mostrou que ver a nós mesmos neste tamanho nos fortalece e como a energia que foi trocada no dia da instalação é poderosa. A estação central de ônibus representa a complexidade e a vitalidade da sociedade israelense - a linha entre seu abandono e a vida que se passa dentro tornou-se cada vez mais tênue para mim; simultaneamente negligenciada e rica em histórias.
A líder do grupo, Chloe Cohen e a fotógrafa, Moral Attar apertam mãos na instalação final.
Acompanhamento da ação: Camadas de Arte
Três semanas após o dia da instalação, as fotos começaram a danificar e a rasgar. Resolvi convidar as pessoas que fotografamos ao lado de amigos - pintores, escritores, artistas em geral para adicionar camadas de arte nas fotos e continuar o processo de criação. Trouxemos cores, pincéis e sprays, as pessoas passavam e começavam a pintar, às vezes ficavam horas conosco e outras davam apenas uma pincelada. Foi lindo ver a expressão de homens, mulheres, crianças, moradores de rua passando por aqui, pintando com a gente; “Quem são essas pessoas? Qual é o objetivo dessas fotos? - Estas são as pessoas que trabalham aqui, passam o tempo e pertencem a este espaço. - Muito bonito, responde um transeunte.”
Detalhes da pintura um pôster deteriorado.
Também comecei a perguntar aos participantes através da plataforma Beams - "como foi a experiência de se verem na parede e como se sentiram ao ouvir as reações dos amigos". Isso significa que estou revisitando todos os locais onde encontrei os participantes, seus locais de trabalho e números de contato. Um participante, Tommy, que eu vejo regularmente passando por sua loja, expressou em suas palavras "essa experiência me mostrou que sou um cidadão do mundo e capaz de ser tudo o que eu quiser".
Participante pintando sobre um pôster deteriorado.
Atualmente, o município solicita a retirada das fotos, pois já se passaram dois meses desde o dia da instalação (24 de fevereiro). Assim, junto com os artistas que pintaram as fotos para a ação "camadas de arte", estamos tentando recuperar e guardar ao máximo os retratos para reaproveitar as obras e continuar a dar vida a esta ação.
É lindo ver que essa ação inspirou pessoas que fizeram parte do Faces da Rodoviária Central, como Edith, a liderar uma Ação e continuar a iluminar as comunidades extraordinárias desta cidade. É impressionante como o projeto Inside Out realmente nos permite representar artisticamente comunidades que são vistas como "incompreendidas" e "invisíveis"; como os indivíduos da Rodoviária Central. Através dos rostos e dos olhos, enfatizamos a importância das histórias de cada um e isso, é infinitamente inspirador.
Detalhes da pintura um retrato deteriorado.